domingo, 7 de março de 2010

...Ensaio sobre CANNIBAL HOLOCAUST...



Perguntei-me o tempo todo, quem sou eu nesta história, o desbravador destemido, o selvagem perigoso, o câmera?
Se olharmos do sofá talvez nenhum deles, talvez o distanciamento de ser "só mais um filme" nos torne tão indiferente a esta história quanto somos ás fissuras sociais. Mas chegue perto, olhe com o rosto grudado na tela e poderá se reconhecer tanto no maldito intruso branco, ou no divino e intocavelmente puro homem das florestas e até no câmera. Quando você está lá, em qualquer um dos papéis, não tão horrível comer a carne, não é tão horrível a invasão mutua, não é tão horrível todo o sangue, ele é assustadoramente maravilhoso, de qualquer um dos lados.
A anatomia exposta não assusta o que assusta é perceber como somos idênticos aos brancos, aos índios, e as tartarugas por dentro, iguais.

...e Depois de tudo isso?

Vem a sensação de culpa, já distantes do Inferno Verde ou do Cinza, de novo no sofá, você pensa "como fui capaz? Como fiz todas estas atrocidades com tanto prazer?"
e chora, porque sabe que por mais que você não o tenha feito,você o faria naquelas condições.
E então volta o distanciamento convencemo-nos de que Cannibal Holocaust é só mais um filme, e que jamais faríamos algo assim, e que somos seres humanos tão tão melhores que este filme nos assombra o bom gosto e duvidamos do caráter de quem o tenha feito.
"De péssimo gosto, deveríamos queima-lo!!". Quem sabe junto dele não queimamos nosso primitivismo acionado.
Pois eu digo amém a Ruggero Deodato, e que o amigo tão querido que me emprestou estes momentos de caos possa trazer ao mundo "mais deste mesmo".

domingo, 21 de fevereiro de 2010

...E as intenções, elas salvam...



Minha mãe era daquelas criaturas mágicas.
Arrumava-se tão bonita todo o dia com um desapego material que apresentava inteligência e personalidade, isso eu entendi desde sempre.
Desenhava o mundo com traços de fada, eram rápidos e finos, delicados e bonitos. Seus desenhos eram fascinantes, isso eu entendi desde sempre.
Dançava como se o mundo fosse acabar em minutos, mas só nas manhãs de domingo, e só com suas filhas, isso eu entendi desde sempre.
Defendia seus pensamentos de forma tão sutil que parecia mesmo que não os defendia, mas lá estava ela, isso eu ainda tento entender.
Falava frases complicadíssimas e outras sem sentido nenhum enquanto dormia, e deixava que rissem disso, das alucinações de seu cansaço, com muito bom humor, isso eu entendi um pouco depois.
Ouvia histórias de livros que já tinha lido, só para fazer com que quem a estivesse contando se sentisse inteligente, isso eu entendi depois, bem depois.
Adivinha o final das novelas, filmes e livros, como se tivesse escrito-os, isso eu achava chato e não entendia como ela fazia, hoje eu entendo melhor.
Costurava calcinhas de bichinhos, que nenhuma outra criança no mundo teria igual, como sinal de amor, de cuidado, isso eu entendi hoje.
Dava alguns doces a mais pro filho mais guloso, porque os filhos, eles são diferentes e merecem ser tratados de formas diferentes, isso eu entendi a pouquíssimo tempo.
Levava os filhos à escola, ao trabalho, a praia, a qualquer lugar, só pra estar perto, isso eu entendo só agora.

Das coisas pequenas e maravilhosas que minha mãe fazia por nós, muitas eu ainda não entendo, outras começo a entender, e ainda outras tive a sorte de sempre perceber.
Mas das coisas pequenas e maravilhosas que ela continua fazendo muito pouco sei, muito pouco entendo, mas amo as intenções, todas elas... São o que me salvam, são o que vou conseguir entender daqui a algum tempo... São o que nunca faltaram nem faltarão nas atitudes dela... As boas intenções.

Amei, amo, amarei... sempre!